Qual a diferença entre contar, ler e interpretar uma história para uma criança?
Contar histórias não é o mesmo que ler ou interpretar histórias. Na leitura, o leitor lê a história integral para a criança, sem adaptações; na interpretação, o intérprete decora uma história e a teatraliza, sem o livro, mas tal e qual está escrito; na contação de histórias, o contador mantém a estrutura base, mas adapta a história ouvida ou lida às necessidades dos ouvintes, contando a história com a sua criatividade e sem o livro em mãos. |
Qual a origem da contação de histórias?
- A contação de histórias é uma prática herdada das sociedades tradicionais que difunde histórias, memórias, costumes e saberes de uma cultura;
- É uma arte fundada na tradição oral;
- Um dos expoentes teóricos da tradição oral é Hampâté Bâ, um tradicionalista malinês (africano), que antes de ser escritor, foi iniciado por um mestre e viveu como um doma, um conhecedor da cultura africana;
- Conforme Hampâté Bâ (2010, p. 169), “a tradição oral [africana] não se limita a histórias e lendas […]. Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação […]”;
- Os tradicionalistas domas dividem-se em ofícios, especializando-se em saberes específicos e compartilhando-os através da narração de histórias de fatos e vivências reais, contadas aos sujeitos que iniciam, por meio da ética e da verdade absoluta;
- Os contadores de histórias responsáveis pela animação pública, são chamados griots, estes contam histórias baseadas em fato reais, mas que podem receber modificações alheias à verdade para pescar a atenção dos ouvintes.
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Por que contar histórias para crianças?
- A contação de história ensina as crianças a viverem em sociedade pois, transmite de uma geração à outra, as regras morais, sociais e tradicionais do bem-viver;
- A contação de histórias permite a aprendizagem da língua: os sons, os tempos, o antes, o agora, o depois e a representação;
- As histórias exploram a imaginação. Segundo Eliana Stort (1993 apud, MATOS, 2014), a imaginação possui seis funções – que serão resumidas aqui e com exemplos de minha trajetória como contadora:
- Suprimir angústias (ex.: o lobo mau morre na história);
- Permitir o autoconhecimento (através do autorreconhecimento em um personagem);
- Refletir de forma crítica sobre questões emocionais (através de um personagem);
- Desenvolver o raciocínio (antecipando a história e criando hipóteses dentro e fora da história);
- Possibilitar a esperança (por que as histórias corrigem realidades injustas);
- Propor pontos de partida (os conflitos são solucionados).
- A contação de histórias auxilia na formação do leitor literário: os alunos que gostam das histórias ouvidas querem aprendê-las para contá-las à outras pessoas, assim como, buscar outras histórias com mais contadores, com os colegas ou nos livros de que as histórias foram adaptadas.
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Como contar histórias para crianças?
- Construir um roteiro para a história adaptando-a à sua “palavra” e mantendo o esqueleto do texto (separar a história em partes);
- Estabelecer um clima para a história (aventura, romance, terror…);
- Contar a história no passado;
- Dramatizar a história sem teatralizar a história inteira;
- Usufruir da voz e todos os seus elementos: o ritmo, o timbre, a intensidade, as alturas, a entonação, a projeção, os falsetes e, o silêncio, inclusive (fazer aquecimentos vocais como bocejar várias vezes e bochechar);
- Gestualizar de forma que a voz encontre o complemento da performance no restante do corpo;
- Olhar diretamente para o público e interagir com ele, quando achar necessário;
- Acreditar na história que está contando, mesmo que pareça totalmente inverossímil;
- Utilizar fórmulas encantatórias para iniciar e encerrar a história (Exs.: Início: Esta história aconteceu há muito tempo atrás, entre o Rio Nilo e o Rio Níger, depois das florestas e antes dos mares”. Final: “E a cobra se enrolou e a história terminou”);
- Utilizar recursos materiais para complementar a performance, quando achar necessário: instrumentos sonoros, capas, aventais, figurinos, fantoches, dedoches, entre outros.
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Dúvidas frequentes
- Posso usar a contação de histórias para trabalhar um conteúdo? Sim, a minha dica é contar a história e esperar uns três dias antes de explorá-la novamente, para que o aluno possa “ruminar” a história, construindo suas próprias interpretações. Depois a interpretação pode ser retomada e, assim, fazer um bingo, soletrar palavras, entre outras atividades. No entanto, é necessário lembrar que a história por si mesma, já evoca reflexões e ensinamentos às crianças.
- Posso contar histórias para adolescentes, adultos ou idosos? Sim, as histórias podem ser contadas para qualquer idade. Nas sociedades tradicionais, como as africanas, os contadores contam os mesmos contos para todas as gerações, o que muda é a complexidade da interpretação de cada ouvinte, a partir de suas experiências de vida.
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Referências
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO (Editor). História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2010.
MATOS, Gyslaine Avelar. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. |
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Parabéns pelo seu trabalho.
Ótimo texto!
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Amo o curos CAP , não vejo a hora de fazer o POP.
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Oi, Vivi, tudo bem?
Que alegria ter você por aqui!
Abraços, Martha #EquipeClarissaPereira
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Adoro todas as suas laves, amo tudo que você escreve. Sou de uma pequena cidade que fica no interior de Pernambuco. Depois que te conhece Clarissa aprende muito sobre o papel do professor e como ter uma prática de sala de aula com sistematização e intencionalidade, com você aprende coisas que não aprende na faculdade.Assim que eu puder vou fazer seus cursos. Novamente muito obrigada por dividir comigo seus estudos e seu conhecimento. Um grande abraço e que Deus sempre te abençoe.
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Olá, Emanuelle, tudo bem?
Que alegria saber disso!
Muito obrigada pela confiança e o carinho. ❤❤
Abraços, Martha #EquipeClarissaPereira