Como fazer uma sequência didática a partir de gêneros textuais

Tempo de leitura: 10 minutos

Para conversarmos sobre os entrelaces entre gênero textual e sequência didática, precisamos entender, primeiramente, o que significam estes conceitos. 

 

Gêneros textuais, segundo Marchuschi (2008), se originam, se integram e se desenvolvem funcionalmente nas culturas e, para além das questões linguísticas que os caracterizam, eles são ainda mais caracterizados por suas funções. Sendo assim, no aprender a ler e escrever há um sentido, uma função! 

 

Já a Sequência Didática, segundo Leal, Brandão e Albuquerque (2012), deve ser organizada de forma em que haverá um momento de apresentação da temática para os estudantes, seguido de uma produção inicial, desenvolvimento de objetivos (que as autoras identificam como módulos) e uma produção final. As Sequências Didáticas também têm como característica partir de um gênero textual, pois o seu objetivo principal é o ensino e a aprendizagem do gênero escolhido. 

 

A combinação entre Sequência Didática + Gêneros Textuais deve enfatizar o protagonismo da professora e do estudante, pois a sequência é criada a partir das necessidades da turma. Deve haver a intencionalidade, pois as propostas são pensadas com a finalidade de desenvolver certas habilidades e objetivos. Esta forma de trabalho ainda enfatiza uma avaliação processual, que considera o desenvolvimento da criança, como ela está aprendendo, bem como uma reflexão sobre nossas práticas e nossas intervenções. Podemos estabelecer uma relação com o conceito de alfabetizar letrando (Soares, 2016), que considera as facetas linguísticas (alfabetização), interativa e sociocultural (letramento), ou seja, acontecem intervenções para que meu aluno avance nos níveis de leitura e de escrita, ao passo em que ele também compreende a funcionalidade de sua ação. 

 

Traremos, a partir de agora, três exemplos de sequências didáticas realizadas pela aluna Bruna Fraga. Se você deseja um material exclusivo com estes exemplos e alguns conceitos, baixe aqui.

Observem que, durante as propostas pedagógicas da Bruna, ela segue o conceito teórico da Sequência Didática (apresentação, produção inicial, módulos e produção final) e, além disso, criou o seu próprio “padrão” para os estudos dos variados gêneros. Esta repetição, embora o conteúdo seja diferente, é muito importante para a aprendizagem (no desenvolvimento de suas funções cognitivas!) e organização do grupo, pois quando os alunos reconhecem algo que já foi feito, podem centrar-se ainda mais no seu novo aprendizado (um novo gênero), já que ele está apropriado da forma como será realizado o trabalho (a sequência). 

 

Sequência didática com o gênero carta: 

  • Apresentação da situação: roda de leitura com o livro “A revolta dos gizes de cera”, de Drew Daywalt. 
  • Primeira produção: cada criança realizou, individualmente e sem intervenção, uma carta para a personagem principal do livro, o Diego. Esta primeira produção serve como uma avaliação diagnóstica para observar os conhecimentos prévios das crianças. 
  • Módulo 1: foi realizada, coletivamente, uma exploração das características do gênero carta e criado um painel que ficava acessível para as crianças consultarem. 
  • Módulo 2: realização de uma escrita coletiva de carta, considerando as características aprendidas anteriormente. 
  • Módulo 3: as crianças estudaram sobre o suporte da carta, bem como o envelope e como eram enviadas. Também escreveram e enviaram cartas para os colegas, vivenciando, então, a funcionalidade deste gênero. 
  • Produção final: novamente, de forma individual e sem intervenção da professora, as crianças escreveram cartas ao Diego, ativando, agora, os seus conhecimentos sobre o gênero. 

 

Sequência didática com o gênero cartão-postal: 

  • Apresentação: roda de leitura com o livro “A volta dos gizes de cera”, de Drew Daywalt. 
  • Primeira produção: escrita de cartão postal, individualmente e sem intervenção, a fim de observar os conhecimentos prévios acerca do gênero. 
  • Módulo 1: exploração de uma lista com as características do cartão-postal, que ficaram expostas para que a turma pudesse consultar. 
  • Módulo 2: a turma escreveu, coletivamente, considerando as características do gênero, um cartão-postal para o Diego. 
  • Módulo 3: cada aluno escreveu, individualmente, um cartão para o colega e o colocou na caixa de correio da turma (que havia sido confeccionada e deixada na sala). 
  • Produção final: escrita de um cartão-postal, individual e sem intervenção da professora, para a personagem Diego. 

 

Sequência didática com o gênero ficha técnica: 

  • Apresentação da situação: visita ao museu Iberê Camargo, em Porto Alegre.  
  • Primeira produção: escrita individual da ficha técnica, ativando os conhecimentos prévios sobre o gênero. 
  • Módulo 1: exploração das características, escrevendo-as, coletivamente, e deixando-as expostas para consulta. 
  • Módulo 2: escrita coletiva de fichas técnicas no caderno, a partir de obras estudadas pelas crianças. 
  • Produção final: as crianças produziram suas próprias obras de arte e fizeram a sua ficha técnica. 

 

Outras dicas importantes! 

 

Mas e quem não escreve, como fica? Abandone a ideia que só produz texto quem já escreve alfabeticamente! Crianças em hipóteses pré-silábicas e silábicas precisam participar de eventos de letramento onde eles produzam escritas inventadas, não convencionais. Se nunca desafiarmos, eles nunca avançarão! Ao solicitarmos a escrita de uma carta, pode ser que saia uma lista, algumas letras… não importa! As intervenções serão feitas no percorrer do caminho. Enquanto uma criança alfabética evolui em relação ao gênero, as crianças em níveis iniciais de escrita evoluirão em relação ao gênero e à aquisição da leitura e da escrita. Por isso, a importância das facetas estarem em conexão! 

 

Favoreça o aprendizado do gênero! Ajude as crianças a se organizarem em relação ao que deve ser escrito. Será que uma folha em branco é a melhor alternativa para trabalhar com o gênero carta? E com o cartão-postal? Será que não seria mais eficiente se eu as ajudasse a estruturar este papel? O design do que você está propondo precisa favorecer o aprendizado daquele gênero. E, mais importante, motive seus alunos para escreverem algo que realmente os interessa. Nos exemplos citados, os alunos recebiam cartas da personagem e da professora e queriam se comunicar.  

 

Foque em boas perguntas! Leve perguntas por escrito. Não pense que os bons questionamentos “virão na hora” com a sua experiência de professora ou conforme forem surgindo das crianças. Seja intencional. Para cada gênero estudado há boas perguntas que podem ser feitas. Por que enviamos cartas/cartões? Para que serve uma ficha técnica? Quem vai ler isso? Por que alguns cartões possuem fotos de cidades e outros possuem obras de artistas? Que outras maneiras de comunicação existem além da carta e do cartão? Você já enviou algum destes? Já recebeu? Converse com as pessoas da sua casa, veja como eles se comunicavam. Estes gêneros eram comuns? Que gêneros têm substituído a carta e o cartão-postal? Dentre outras boas perguntas sobre o que você estiver estudando com seus alunos. 

 

Auxilie as crianças em hipóteses iniciais de escrita. Enquanto os alunos alfabéticos exploram com mais autonomia o gênero em si, foque o trabalho com a faceta linguística com as crianças em níveis iniciais de escrita. Tire um tempo para sentar-se com elas e intervir intencionalmente em questões pontuais para o seu avanço. Não esqueça que, concomitantemente à SD, terão outras atividades permanentes ou aleatórias acontecendo.  

 

Estas Sequências Didáticas foram pensadas pela professora. Isso não tira o protagonismo do aluno? Calma. Nem tudo parte explicitamente das crianças. A aluna Bruna percebeu, a partir das avaliações diagnósticas, que era necessário trabalhar certos objetivos contemplados na SD. A ideia do uso livro nasceu porque as crianças diziam não saber desenhar. Fazer do aluno um protagonista não significa que todas as estratégias didáticas serão conforme seu interesse, mas que devemos pensar nesta criança quando planejamos. Desenvolver a aprendizagem do nosso aluno é colocá-lo como o centro do processo. Existem habilidades e objetivos que as crianças precisam desenvolver e que vai ser necessário que parta do professor. Como irá vir deles algo que eles não têm contato? Quando fazemos uma proposta que não partiria de forma natural daquela turma, estamos ampliando seus conhecimentos, ajudando as crianças a aumentar o seu repertório de aprendizagem e acrescentando sua compreensão de mundo. 

 

Posso fazer uma Sequência Didática sem estudar um gênero textual? Pode, mas com cuidado! As Sequências Didáticas estão vinculadas com os estudos dos gêneros e seguem, segundo os autores já mencionados, uma organização específica (apresentação, produção inicial, módulos e produção final). O que fugir disso pode ser, provavelmente, atividades permanentes, atividades paralelas ou projetos didáticos (dentro de um projeto pode haver uma sequência!). Temos um super módulo cheio de aulas e ideias práticas sobre este assunto no nosso Curso CAP. Clique aqui para saber mais.

Por outro lado, é importante destacar que o termo “sequência didática” ficou atrelado ao conceito clássico da ênfase aos gêneros, contudo, a palavra “sequência” e a palavra “didática” trazem definições separadas. Então, podemos pensar que não há uma “propriedade” exclusiva sobre este termo. Entendemos que sequência didática significa justamente isso, uma sequência de propostas didáticas. O que não consideramos adequado é atribuir o conceito como uma sequência de atividades, porque cria-se uma ideia de um amontoado de atividades sem um objetivo claro e uma progressão. É essencial que se entenda, com clareza, que uma SD necessita de um objetivo/meta para o qual ela foi criada e uma complexificação, de modo que se veja um crescimento dos alunos ao longo da SD. Neste sentido, podemos fazer uma SD sobre quaisquer outras áreas, como matemática, ciências naturais, ciências humanas, artes, não somente atrelado aos gêneros textuais O importante é respeitar as características deste conjunto, deste encadeamento que a SD tem: produção inicial, desenvolvimento com progressão e complexificação e produção final*. 

 

* Ideia advinda de estudos com a Dra. Professora Luciana Piccoli, professora da área de Linguagem, na FACED/UFRGS.  

 

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Abraço,
Professora Clarissa Pereira e Camila Oliveira  

Texto escrito por Camila Oliveira, com base na live de Clarissa Pereira. Assista à live aqui 

10 Comentários


  1. Amei eu já tinha feito uma pesquisa sobre gêneros e agra ficou mais claro muito bom

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  2. Sou aluna cap quero participar de tudo que se refere a Clarissa Pereira. É muita aprendizagem

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  3. Muito boa a explicação. Tem como a professora Camila fazer uma live sobre sequência didática em matemática?Seria muito bom. Bjs

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